Marcelo Cordeiro Correia war in Leipzig bei meiner Show und berichtet darüber in seinem Weblog (auf Portugiesisch):
Como sempre, a melhor conversa acontece a uma mesa de bar e não entre estandes de editoras. No sábado, depois do desfile de Mangá disfarçado de feira do livro, fomos ao magnífico teatro UT Connewitz de Leipzig, um dos cinemas mais antigos da Alemanha, para assistir à leitura de O mundo é nosso, do austríaco Klaus Werner-Lobo.
Felizmente ainda não restaurado, o teatro ainda conserva a abóbada e as tribunas originais, de 1912. Alguém poderia pensar que aquilo tudo era um desperdício para uma simples leitura. Um cantinho do considerável palco bastaria para todos os objetos necessários para fazer literatura: uma mesinha redonda e cadeira, um abajur iluminando o livro. Só faltava o escritor.
O livro
O mundo é nosso. O poder e a armação das multinacionais e dos multimilionários. Um título ousado, mas que aguça os nervos para abrir depressa o volume e procurar pela resposta. Resposta? Sim, no caso de Klaus Werner-Lobo, há fatos; não se trata de especulação ou teoria da conspiração. As multinacionais Bayern, Nestlé, Apple, Coca-Cola, Shell, McDonald’s etc. são dissecadas e desmascaradas a cada capítulo. Há por exemplo a história de um e-mail que o autor, sob outro nome, enviou à Bayern oferecendo contatos na África para a extração ilícita de matéria-prima. No dia seguinte, ele obteve uma resposta: „temos interesse numa mostra do material“. Uma negociação que levou o austríaco ao Congo, aos rebeldes de uma guerra por um elemento químico precioso, o tântalo, que é usado para a fabricação de telefones celulares.
O mundo é nosso – que na Alemanha é rotulado como não-ficção juvenil – é o resultado das discussões que Werner-Lobo desencadeou após a publicação de seu best-seller O livro negro das marcas, traduzido para mais de dez línguas (em português, ainda no prelo). O livro já foi considerado a bíblia dos antiglobalização e é constantemente comparado a No Logo!, de Naomi Klein.
Chaplin, Thomas Bernhard e um galão de gasolina
Mas voltemos à leitura e ao teatro de Leipzig. As luzes se apagaram e a cadeira no palco ainda continuava vazia. Um filme mostrou uma reportagem sobre Werner-Lobo e seu livro, uma curta entrevista num jardim, onde ele, entre uma pergunta e outra, brinca com um globo terrestre na forma de uma bola de futebol. Chaplin? Chaplin é justamente a resposta.
O filme termina, o público aplaude e nada do escritor. Um aplauso, porém, ainda paira no teatro, um aplauso fedelho, alguns tentam seguir, mas logo param, não há razão para aplaudir tão demoradamente um filme promocional. Olhei para trás, quis ver o inconveniente batedor de palmas. Era Werner-Lobo, no meio do público, vestido com um terno curto demais, uma gravata esquisita, um chapéu de palhaço.
O espectador inconveniente tornou-se o escritor. Um ato que me lembrou Thomas Bernhard na entrega do prêmio Grillparzer, da Academia das Ciências de Viena – um episódio hilário narrado em seu livro póstumo Meus Prêmios e usado depois num romance curto, O Sobrinho de Wittgenstein. Bernhard permanece de propósito no meio do público no início da premiação, apesar de ser o homenageado da noite. Ele observa como os organizadores do evento começam a ficar nervosos, pensando que o autor não vai aparecer e vê que ninguém ali sabe quem ele é. E gargalha. Até que o descobrem o levam para o palco. Sua maior preocupação, porém, é o terno curto demais que acabara de comprar para o evento.
Pois Werner-Lobo chega ao palco como Benigni chegou ao palco da cerimônia do Oscar para receber a estatueta por A Vida É Bela: andando por cima dos encostos das poltronas, beijando as carecas dos espectadores.
O público que vai a uma leitura de um livro sobre fatos tão repugnantes como os que estão em O Mundo é nosso não espera um espetáculo desses. Mas, apesar de Werner-Lobo ser um jornalista-escritor de livros de não-ficção, o que ele mais gosta de fazer é justamente trabalhar com a metáfora.
Ele dança, ele trata o microfone pateticamente, ele chama o público para atuar, ele saca uma pistola do bolso, ele traz um galão de gasolina para o meio do palco e pergunta aos espectadores se alguém ali tem fósforos.
Tudo isso em meio aos fatos que ele narra – sem abrir seu livro. Os objetos tradicionais: livro, mesinha redonda com toalha preta, cadeira e abajur de luz amarela permanecem naquele canto do palco, obsoletos, inúteis.
„Eu não quero que as pessoas me levem a sério“, disse ele na discussão após a „leitura“. A sugestão de Werner-Lobo é que voltemos a Chaplin, é que não tenhamos mais medo do ridículo. É a ironia que nos salva da pocilga em que vivemos. Diante de dados gritantes – que ele expõe de maneira clara e com inúmeras referências e pesquisas -, resta-nos manter informados e saber balancear a denúncia com a autoironia.